BARBIE (2023) — CRÍTICA

Raquel Oliveira
7 min readJul 21, 2023

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A dificuldade de fazer a adaptação de Barbie era exatamente porque havia uma questão: se a boneca mais famosa do mundo, que tem o seu mundo cor de rosa perfeito, com inúmeras profissões, um namorado etc, então o que poderia ser extraído de profundo de Barbie sem transparecer superficialidade?

Por: Raquel Oliveira

Quando criança, nunca tive uma Barbie. Era cara. Também não me fazia tanta falta. A Barbie para mim sempre foi meio indiferente. Porque nas décadas seguintes à sua criação, ela era mais sinônimo de padrão estético e estereótipos. Quando mais jovem, também tive a fase de não gostar tanto da Barbie, assim como em uma passagem no longa. A Barbie só veio diversificar seus produtos e linhagem de pouco tempo para cá. E isso, claro, com o avanço da sociedade e os movimentos feministas cada vez mais presentes. Hoje em dia já são mais de 170 bonecas Barbie com diversidade e inclusão.

Quando criada, chegou exatamente no começo do movimento feminista contemporâneo do século XX. Na época, pela “libertação” feminina. Mas, mera coincidência ou não, existem algumas versões as quais levaram Ruth Handler, à época presidente de uma fábrica de brinquedos, a Mattel, criar a boneca (uns dizem que ela viu na Europa bonecas com fisionomias mais adultas, outras dizem que teria notado um comportamento de sua filha, Barbara), mesmo que não tenham sido confirmadas. A sua criação tinha um propósito. Inspirada na boneca alemã, Bild Lilli, que logo viria se tornar propriedade da Mattel, Barbie foi criada para ser uma boneca menos infantilizada que as “baby dolls” da época (criando um marco, afinal, muito se pode dizer que quando meninas, já somos impostas a cuidar e criar até quando se brinca de boneca), uma boneca realmente que parecesse uma “adulta”, e que posteriormente viria a ter várias profissões, linhagens temáticas, diversidade, inclusão etc.

A boneca mais famosa do mundo, também foi por muito tempo uma das mais difíceis de adaptar para o cinema. O projeto de live-action já havia sido discutido, mas nunca havia ido para frente. Entre estúdios, produtoras e roteiristas que pegaram e desistiram do projeto, a ‘LuckyChap Entertainment’ foi lá e conseguiu os direitos da personagem para a adaptação. Logo — exatamente — a produtora de Margot Robbie, que em Barbie, o filme, dá vida à protagonista.

E quando Greta Gerwig entrou para escrever o roteiro, com co-roteiro de Noah Baumbach, o mundo plástico da boneca, parecia que finalmente ia ser visto em formas “reais”.

A dificuldade de fazer a adaptação de Barbie era exatamente porque havia uma questão: se a boneca mais famosa do mundo, que tem o seu mundo cor de rosa perfeito, com inúmeras profissões, um namorado etc, então o que poderia ser extraído de profundo de Barbie sem transparecer superficialidade?

Na Barbielandia, Barbie vive todos os dias a mesma rotina de perfeição. Junto às outras Barbies, elas vivem no matriarcado, completamente o oposto da nossa sociedade no mundo real. Todas têm profissões, são diplomatas, PhDs… Até que um dia Barbie tem um pensamento. Esse pensamento é sobre a morte. É a única certeza que um ser humano tem na vida. É quando ela descobre que o mundo humano existe e decide partir em jornada da sua felicidade.

Quando Greta e Noah terminaram o roteiro, Greta quis dirigir o longa e exigiu que fosse Margot Robbie a ser a protagonista e Ryan Gosling o Ken. Parecia certo e adequado que fosse ela a dirigir um filme da Barbie com dois grandes atores nos auges das suas carreiras. Sua criação é uma prova de seu crescimento artístico, tanto em roteiro como em direção após os maravilhosos Lady Bird (2017) e Adoráveis Mulheres (2019).

Quando vimos em tela a sua ode ao clássico 2001 — Uma Odisséia no Espaço (1968), contando a origem de Barbie e logo em seguida somos apresentados a sua visão na criação do mundo de plástico, em uma explosão de cores, que vão além do rosa, onde tudo é tátil, em tamanho real, num cenário de “autenticidade artificial”. Tudo é um deleite para nossos olhos. É um ápice de criatividade, de atenção aos detalhes. E embora toda a introdução seja apressada, pode-se até imaginar que poderia ser como a mente de uma criança realmente funciona. Apressada, criativa, cheia de ideias, muitas informações.

Faz sentido que Gerwig faça homenagem a “2001”. O longa considerado a melhor ficção científica de todos os tempos (sim, não é Interstelar (2014)), é um filme sobre avanços tecnológicos e o comportamento humano diante a isso. Ainda que Barbie não aborda profundamente a tecnologia, Gerwig escreveu o longa com uma autoconsciência sobre o seu papel numa sociedade. E principalmente, no mundo feminino. Essa autoconsciência progressista na protagonista é o principal fator que faz de Barbie um filme gostoso de assistir, porque mesmo esperando o que pode acontecer, o curioso é como será desenvolvido.

O ponto de virada sobre a morte que faz Barbie “desconfigurar”, não é à toa. Literalmente, ela está do outro lado do espelho que se reflete na sua “dona humana”. Como humanos, principalmente após uma certa idade, os temas e problemas adultos passam a nos assombrar constantemente. A morte iminente para Barbie inicia a sua jornada desde os seus pensamentos, entendendo o seu existencialismo, refletindo sobre o seu papel, no que ela faz, no que ela é boa.

Quando vem para o mundo real com Ken, ele completamente apaixonado e dependente da atenção dela até então, as visões que ambos tinham de seus mundos são destruídas pelo nosso mundo real. Há um fio de pensamento que não sai da minha cabeça enquanto escrevo esse texto. Barbie talvez seja visto como um coming of age tardio. Uma juventude que não acaba após aos vinte, e que sim, se prolonga por inúmeros fatores e temas envoltos da nossa sociedade, com o avanço das gerações e conflitos.

Enquanto Barbie está consciente e lidando com seu caos interno, existe exatamente esse outro arco de embate de gerações na relação de mãe-filha, algo que não é novidade no trabalho de Greta Gerwig. Mas principalmente costurado no desenvolvimento de Barbie, sem esquecer, claro, de Ken, que tem um grande destaque — pois é de se imaginar o que acontece quando ele vê um mundo dominado por homens. E é aqui o maior trunfo de Greta Gerwig.

A roteirista e diretora costura a sua sátira numa veia cômica em tópicos e temas, sobre humanidade, a modernidade, masculinidade tóxica, capitalismo e patriarcado. Insere atos musicais nessa veia como alívio, e que se não fosse pelo elenco de coadjuvantes incrivelmente carismáticos e completamente talentosos, poderia ser até uma parte entediante. Ainda consegue desenrolar para o drama, onde, embora precise logo que o conflito no roteiro seja resolvido, não se perde por completo. Ao contrário, emociona com um monólogo sobre como é ser mulher e uma passagem meio àlá O Show de Truman (1998). Eu que nunca tive uma Barbie me encantei, imagino para quem teve/tem a boneca e a sensação de nostalgia presente nesses momentos. Desde quando foi mostrado as primeiras imagens, desde o trailer com o take do pé da protagonista inclinado sem perder a pose, o marketing do estúdio foi tão forte que extrapolou os limites da internet. O hype valeu, e a magia do cinema nos permitiu ver uma boneca literalmente dando vida.

Barbie é lindo, divertido e gostoso de assistir. É um coming of age (ao menos para mim), é camp! Mas melhor, não dita regras, não nos dá lição de moral, não quer pretensioso, tanto que é narrado justamente para não ser difícil de desvendar a mensagem. Só quer dizer como é ser mulher, como é bom ser mulher, e como é difícil também. Mas em maior parte, como é bom saber que podemos ser autossuficientes e independentes.

Queria muito ter crescido com um filme desse, feito de mulher, para mulher, sobre mulher. E termino esse texto fazendo um quote à uma amiga com quem estive conversando muito sobre o longa: “Com uns 12 anos eu ia amar assistir, ainda mais com a Barbie falando pra mim que eu posso ser quem eu quiser”. É bem isso, sabe, é o Cinema fazendo acontecer algo inesperado, que a Barbie é um pouquinho de todas nós e vice-versa. Literalmente, como um reflexo no nosso espelho.

★★★★★ 5/5

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Raquel Oliveira

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