MULHER-HULK: DEFENSORA DE HERÓIS (2022) SÉRIE – CRÍTICA

Raquel Oliveira
6 min readOct 21, 2022

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Poucas são as vezes que o estúdio deixa que seus roteiristas e diretores tenham liberdade criativa para contar as histórias destes personagens sem que eles sejam prejudicados pelo “o que está por vir”, e quando acontece, acredito que a obra em questão mereça um certo crédito.

Por: Raquel Oliveira

Mais uma série da Marvel e mais do mesmo? Não. Veja bem, é curioso como uma série que desde o material promocional, como pôsteres e trailers, tinha tudo para ser uma das piores do ano – e que com isso chegou sem tantas expectativas –, fez ser interessante e deu uma volta na fórmula do estúdio. E mais interessante ainda, é que essa volta foi exatamente uma autocrítica com o pé na metalinguagem. Criada por Jessica Gao e com produção majoritariamente feminina, She-Hulk é uma surpresa.

Jennifer Walters (Tatiana Maslany) é uma advogada solteira por volta dos seus 30 e poucos anos. Prima de Bruce Banner (Mark Ruffulo), certo dia, em um acidente envolvendo os dois, acidentalmente o sangue de Bruce entra em seu organismo fazendo-a se tornar uma Mulher-Hulk. Agora com superpoderes, Jen precisa conciliar sua vida pessoal que não é tão movimentada, o fato de ser uma Hulk e sua carreira. Tudo isso enquanto recebe a promoção de comandar a divisão de leis super-humanas na forma de Mulher-Hulk, mesmo que seja de forma indesejada.

O grande trunfo de She-Hulk está na quebra da quarta parede. Não que a Marvel já não tenha usado esse recurso antes (Deadpool e Wandavision que usa os comerciais de Wanda), e na própria HQ ela rasga a página para conversar com seu desenhista. Mas o fato de nunca esconder ser uma comédia que quebra a parede, aproxima ainda mais das semelhanças na Fleabag, de Phoebe Waller-Bridge, da Amazon. E isso não é negativo. Acredito que até as personalidades de Fleabag e Jen Walters sejam parecidas, são mulheres independentes, mas não conseguem alavancar na carreira, passam por crises de identidade e têm uma vida amorosa que vai de mal a pior. Mas é a partir do momento que esse recurso é inserido, que se dá o direito dela mesma tomar as rédeas da sua história.

As crises de identidade são muito presentes, visto que Walters obteve o gene do Hulk literalmente por acidente. Com isso, ela precisa conciliar seu eu pessoa e seu alter ego, a heroína por acidente que a sociedade tenta impor a ela. Na verdade, inicialmente, por muito tempo ela até tenta não deixar que She-Hulk apareça mais que ela, talvez por medo de perder sua própria identidade humana. Mas com o tempo também ela vai notando que ser superpoderosa tem lá suas vantagens, e mais ainda, ela percebe que não importa se ela tem superforça, fique forte, seja gigante, ela vai sofrer misoginia e irão duvidar da sua capacidade de qualquer maneira.

Não à toa o primeiro episódio da série foi totalmente centrado nisso. Porque enquanto o seu primo Bruce teve dificuldades para controlar o Hulk e tenta ser o seu “mentor de controle de raiva”, e não conseguindo evitar a prática do mansplaining mesmo que inconsciente, Jen tira de letra. Afinal, ela é mulher, e mulheres, por serem mulheres, sofrem como em toda sociedade.

Acontece que Jen Walters, ao estar ciente que está numa ficção, sabe que há uma forte resistência entre os fãs do estúdio com o protagonismo feminino. A criadora, Jessica Gao, tem consciência e sabia que a série iria sofrer de críticas misóginas de fãs do estúdio, que buscam vários pontos e dão voltas e mais voltas para pontuar algum motivo de não gostar da série, quando se sabe que apenas o fato dela ser mulher já é um incômodo o suficiente para eles, mesmo que fosse ruim, o que não é totalmente o caso da série. Ao flertar com a nossa realidade, ela reforça que é dona da sua própria narrativa, insere propositalmente no seu arco as inúmeras situações e até traz para dentro da história, os tipos de pessoas que a criticam ora por ser uma mulher independente, ora por ser uma mulher totalmente verde de CGI. Ela usa o humor em tom bastante sarcástico para criticar dentro do show, o espectador que a critica, cutucando-o diretamente e fazendo-o se ver em tela.

Em She-Hulk vemos também o quanto os heróis e (ex)vilões, e antagonistas são extremamente normais, mesmo tendo poderes ou força, como os personagens convidados no show. O regenerado Abominável (Tim Roth) quer uma vida pacata. Wong (Benedict Wong) que nas horas vagas maratona séries. A vilã caricata Titania (Jameela Jamil) é uma falsa empresária. O seu primo Bruce curte uma cabana isolada numa praia. E o Demolidor (Charlie Cox), bom, esse não tem uma vida tão normal, mas essa fica para a série dele (porém, não há como não mencionar que os dois formam um casal e tanto). Assim podemos enxergar que esses personagens são pessoas que têm camadas, desejos e vontades, como nós.

Note que não falei sobre CGI e efeitos ruins, apesar de serem e estarem visivelmente presentes. De fato, há uma certa dificuldade em melhorar os efeitos da protagonista, e são problemas gerais em toda produção da Marvel. Mas esse não é o problema da série. E vamos lá, sejamos sinceros, as massivas críticas que She-Hulk recebeu foram desproporcionais, onde usaram apenas esse fator como se fosse crucial para não assistir ao show.

Porque vejamos, Tatiana Maslany cria sua protagonista ciente disso. Ciente que ela é algo novo para nós. Nós nunca tínhamos visto uma mulher totalmente de verde na TV. Para ela também é novo, já que é sua estreia na MCU, mas ela faz um bom trabalho. Maslany é carismática e muito talentosa, ela consegue transformar Jen Walters e She-Hulk em opostas e ao mesmo tempo semelhantes, com desenvoltura. Acredito realmente que se não fosse por ela, o curso de She-Hulk realmente poderia ter sido outro. Ela mais uma vez tomou para si mais um show que olhamos e dizemos: essa é de Tatiana Maslany.

Embora tenha alguns episódios que são descartáveis e pouco acrescentam na construção da protagonista, o que tornou She-Hulk diferente foi o seu final não tão convencional e também diferente da fórmula Marvel. Diferente também de muita coisa que eu já assisti. Jen numa última cartada tomou novamente as rédeas da sua história e foi pessoalmente cuidar da sua conclusão, quando viu que estava indo para o mesmo caminho de sempre característico do estúdio. O final criativo e genial, demonstra também que o estúdio tem consciência dos seus erros e da própria fórmula. Brinca consigo mesmo, mas não é hipócrita, e reconhece onde falhou e onde está falhando, principalmente na fase 4, a mais conturbada do seu Universo Cinematográfico.

Se She-Hulk venha se tornar uma produção que estabeleça novas mudanças na Marvel, isso eu não sei, mas sei que esse show prova que dá para ter uma história autêntica e à parte, ainda que seja dentro do produto. Poucas são as vezes que o estúdio deixa que seus roteiristas e diretores tenham liberdade criativa para contar as histórias destes personagens sem que eles sejam prejudicados pelo “o que está por vir”, e quando acontece, acredito que a obra em questão mereça um certo crédito.

⭐⭐⭐

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Raquel Oliveira

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