OSCARS 2022 | A PIOR PESSOA DO MUNDO (2021) – CRÍTICA

Raquel Oliveira
7 min readFeb 25, 2022

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Título Original: Verdens verste menneske

Rotten Tomatoes: 97%
IMDb: 7,9
Direção: Joachim Trier
Roteiro: Joachim Trier, Eskil Vogt
Distribuição: NEON

…Julie apesar de saber e sentir que está em busca de “algo”, vive conforme os dias vão passando, tentando lidar com o que aparece na sua frente, mesmo que isso signifique tomar algumas decisões erradas, ignorar sentimentos, errar e acertar à medida que o longa se aprofunda. E é com esse aprofundamento, que ‘A Pior Pessoa...’ se mostra uma belíssima reflexão sobre qual o sentido da vida e a real busca do amor.

Por: Raquel Oliveira

A princípio, quando soube desse longa norueguês, fiquei encantada pelo pôster. É um à primeira vista simples, frame de um momento, onde ela está correndo e olhando em direção ao que está à sua frente. Então pensei: algo tem nesse filme, porque o pôster e o nome, me chamaram a atenção. A pior pessoa do mundo é essa da imagem, que está com uma aparência serena, sorrindo, indo em busca de algo? Ou será que é ela se “livrando” de uma ‘pior pessoa do mundo’? E foi assim que comecei esse longa aclamado no Festival de Cannes 2021 e lindo, idealizado e roteirizado por Joachim Trier – que conclui uma trilogia de filmes do cineasta. Isso, A Pior Pessoa do Mundo é um longa com uma mulher protagonista, vivida por Renate Reinsve, mas com roteiro de um homem. Com isso, é de questionar que possa haver uma divergência, afinal, como uma história de um ponto de vista feminino pode ser contada através de um texto escrito por mãos masculinas?

Julie (Renate Reinsve), é uma mulher que está perto de completar 30 anos e sente que está sem perspectiva de vida. O longa começa com Julie trocando de área em área na faculdade em busca da sua vocação, e diga-se de passagem até as mudanças em seu cabelo refletem. Primeiro, estudando medicina, depois, trocando sua licenciatura para psicologia e então, em seguida, mudando para uma área completamente oposta, a fotografia. Julie, embarcando no mundo da fotografia, conhece Aksel (Anders Danielsen Lie), um escritor de sucesso de 45 anos de idade, e mesmo que as diferenças de idade possam parecer ser algum tipo de empecilho, eles se apaixonam e vão morar juntos. Quando Julie pensava (ou achava) que estava começando a ter estabilidade, conhece o jovem Eivind (Herbert Nordrum) em uma festa de casamento – em que ela entrou de penetra.

E é assim que o roteiro se mostra rico ao contar em uma narração a história de Julie em 12 capítulos, com prólogo e epílogo. Esse recorte na jornada de Julie acontece no período de quatro anos, e é realmente como um livro sendo mostrado. Dessa maneira, o espectador fica avisado em ver as passagens importantes da vida da protagonista, e claro, há alguns mais longos e outros curtos, tudo dependendo da carga que Julie quer nos mostrar. Em outras produções, isso poderia ser complicado, pois saber o que contar é importante para uma estrutura narrativa, aqui, Trier é feliz para a montagem do longa. A Pior Pessoa do Mundo pode começar aparentando ser uma comédia romântica, porque Julie apesar de saber e sentir que está em busca de “algo”, vive conforme os dias vão passando, tentando lidar com o que aparece na sua frente, mesmo que isso signifique tomar algumas decisões erradas, ignorar sentimentos, errar e acertar à medida que o longa se aprofunda. E é com esse aprofundamento, que ‘A Pior Pessoa...’ se mostra uma belíssima reflexão sobre qual o sentido da vida e a real busca do amor.

Atualmente, as produções hollywoodianas de comédia romântica soam mais como genéricas: um belo casal se conhecem através de algum aplicativo de relacionamento ou redes sociais, se apaixonam, os encontros são ao som de uma música romântica atual, com pano de fundo em um monumento conhecido e popular, terminam, reatam... Tudo isso é desmontado aqui. Na verdade, nem é apresentado. Trier mostra uma realidade crua de uma vida, que nesta é ambientada numa linda Noruega (mas poderia ser qualquer outro lugar) que é também fria, ora neblínea ora limpa e iluminada, antiquada... E Julie e Aksel, ambos millennials, por muitas vezes se veem como se não se encaixassem nos dias atuais. É palpável quando toda a áurea do longa remete aos anos 90, desde o figurino despojado, ao não uso frequente de telas, até chegar na trilha sonora que embala a jornada de Julie vivendo romances, em um mundo que o uso de smartphones para o conhecimento afetivo e a necessidade de estar sempre online são tomadas como base importante na construção do convívio social. Ainda assim, esse contraste “nostálgico” não é constante, pois pautas como feminismo, sexo, orgasmos e desejo feminino, hoje são abertamente debatidas, faladas e apoiadas. Os tempos mudaram e Julie sabe disso, aproveitando ao máximo o que pode tirar, afinal, ter 30 anos nos anos 20 do século XXI é ser autoconfiante.

Mas também é tomar indecisões. Porque dividida entre o amor racional de Aksel que quer dar o próximo passo na relação, e o amor jovem e novo de Eivind, ela então decide “parar o tempo”, correndo pelas ruas de uma Noruega parada, onde somente ela está em movimento, envolvida numa trilha sonora inspiradora. É quando tomamos a percepção do que realmente significa, não só o nome do filme, como o pôster que mencionei no começo desta crítica; que precisamos sair da nossa realidade um pouco, para se sentir livre por pelo menos um dia, se permitir viver o que está sentindo, em prol da nossa própria sanidade. O tempo para para o amor. E então, quando ela decide retornar a sua rotina, toma uma decisão importante que também é tomada por uma percepção de nós, o espectador. Em uma bela passagem quando diz: “Me sinto como uma espectadora em minha própria vida. Como se eu fosse coadjuvante da minha própria vida.”, Julie atinge em cheio em nossa empatia, pois é neste momento que nota-se que todo o contexto de A Pior Pessoa do Mundo no fim, também é sobre nós.

Uma protagonista que se vê fora da sincronia, tanto emocional como profissional, apaixonada, destemida, sem medo de erros, dividida entre dois relacionamentos que desafiam o seu eu... É assim que A Pior Pessoa do Mundo revela Renate Reinsve, uma estrela em ascensão para o mundo. A sua performance é tão graciosa que é sentida como um afago. É uma atuação carinhosa, sentida e empática. Não a toa, Renate foi consagrada no Festival de Cannes 2021 por sua maravilhosa Julie, levando o prêmio de Interpretação Feminina, e também conquistando sua primeira indicação ao BAFTA 2022, sendo a única atriz de língua não-inglesa a concorrer na edição atual da premiação. Renate é deslumbrante e parece tão confortável e acalentadora que nos faz questionar se ela estava mesmo atuando, ou se era realmente ela em cena. E completo que, para mim, Renate minha segunda atuação preferida do ano de 2021, e em um mundo justo e paralelo, ela estaria favorita para vencer a estatueta dourada.

E respondendo a minha própria pergunta do começo desta crítica, acredito que dá sim para contar uma história da perspectiva feminina escrita através de mãos masculinas quando há empatia, carinho e cuidado. Eu até poderia não dar uma nota máxima por este importante detalhe, claro, mas também não estaria sendo justa com a deslumbrante performance de Renate Reinsve.

A Pior Pessoa do Mundo por onde passou foi amplamente aclamado, porque traz na bagagem, em meio a tantos romances hollywoodescos medianos, o romance contemporâneo de forma honesta e sincera. Uma linda jornada simples que vai em busca do autoconhecimento, de ser autossuficiente, estar em paz consigo e nossas decisões. Que o amor, morte, dor e felicidade estão sempre nos rondando em todos os momentos de nossa vida, e que nem todas as respostas sobre qual o sentido da vida serão respondidas, afinal, aqui é uma retratação de uma realidade que torna por todo o longa o sentimento de identificação com relação a tudo; decisões, carreira, relacionamentos, família etc., tão sentidos que ao mesmo tempo acalenta ao mostrar que a vida está sempre nos surpreendendo e sempre nos levando para olhar e seguir em frente, em busca do que ainda não sabemos, mas “daquilo” (e isso pode ser subjetivo) que nos fará feliz – ou nos contentar-se, seja lá o que há de acontecer. Julie é do nosso tempo. E ela é um pouquinho de todos nós.

10/10

  • A Pior Pessoa do Mundo recebeu duas indicações ao Oscar 2022: Melhor Filme Internacional e Melhor Roteiro Original.

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Raquel Oliveira

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