OSCARS 2023 | TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO (2022) – CRÍTICA

Raquel Oliveira
7 min readJun 27, 2022

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Recordista de indicações na cerimônia.

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é sem limites de maneira proposital. Sua narrativa é completamente contraditória, cheia de bizarrices, diálogos piegas, piadas hilárias, situações excêntricas, que são gostosas de apreciar, que nos causa diretamente uma explosão mental com tudo que está acontecendo em tela. Mas o multiverso aqui parece ser bem mais atrativo, divertido, repleto de genialidade e originalidade.

Por: Raquel Oliveira

Stephen Strange no começo de “Multiverso da Loucura”, acorda assustado após um sonho. O sonho em questão era a cena inicial do filme, o qual o Strange de um outro Universo está com a jovem America Chavez fugindo de um monstro. Quando o Stephen que conhecemos, conhece America, ela explica a ele que seus sonhos, na verdade, são acontecimentos das versões de seus “Outros Stephens”, ou seja, a sua mente está conectada com as suas versões do multiverso, através desses sonhos. Calma, essa não é uma outra crítica de “Multiverso da Loucura”. Mas por que eu decidi começar falando desse filme? Porque além de ter sido outro filme sobre o conceito de multiverso este ano, esse fato em questão, das mentes conectadas, que é tão superficialmente abordado em “Multiverso da Loucura”, já em “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” é mais amplamente abordado, melhor desenvolvido e motivo que faz o longa da produtora ‘A24’ ser um dos melhores filmes do ano, senão o melhor.

Divido em três atos que faz o nome ‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo’ ter sentido, Evelyn Wang (Michelle Yeoh), uma imigrante chinesa, é proprietária de uma lavanderia junto com seu marido Waymond (Ke Huy Quan). Mesmo que tudo pareça normal, a vida de Evelyn é infeliz: o negócio está beirando a falência, a sua filha única Joy (Stephanie Hsu) se sente incompreendida por ela e Waymond está prestes a pedir anulação do casamento, por ambos estarem infelizes. Sem contar que seu pai, que não fala inglês, Gong Gong (James Hong), precisa de cuidados. Quando vai ao prédio da receita federal pedir a auditora do imposto de renda, Deirdre (Jamie Lee Curtis), que não tome o seu negócio, exatamente dentro do prédio, quando menos espera, Evelyn é abordada por uma versão alternativa de seu marido gentil, lhe informando que o multiverso está em perigo, porque a figura multiversal chamada Jobu Tupaki está destruindo tudo e todos, e ela é a única que pode salvar. Então, Evelyn é jogada numa aventura interdimensional, sem regras e sem limites.

E ela só consegue isso acessando suas versões alternativas pelo multiverso vasto, através de conexões mentais. É aqui que ‘Tudo em Todo o Lugar…’ concentra o seu filme sendo a chave para tudo. E é através disso, e também toda a carga de comédia que se encontra no longa, que Evelyn vê todas as suas versões bem-sucedidas, chegando até vivenciar elas. Mas, fato, quanto menos se saiba sobre este filme, melhor a experiência do espectador. O longa é um conjuntos de alegorias visuais, muitas sequências malucas, e incríveis cenas de ação e luta surpreendentes a cada frame.

É realmente de esperar que este seja da produtora “badalada” do momento, a A24. Quem acompanha os filmes dela reconhece na hora. Por ser uma produtora, a A24 poderia colocar limites e imposições aos cineastas, assim como acontece com muitas na indústria do cinema, mas o que faz da A24 ser diferente de todas, é exatamente a confiança que ela tem com eles. É, provavelmente, uma das poucas produtoras da atualidade onde permite aos cineastas que não estão na principal rota de Hollywood, consigam contar suas histórias – e todas originais, diga-se de passagem. Numa indústria que está numa onda de remakes, reboots e histórias mal contadas, o que mais chama atenção neste longa é exatamente o roteiro da dupla de cineastas os “Daniels” (Daniel Kwan e Daniel Scheinert) ser completamente original, ainda mais em um momento que o multiverso está sendo abordado em muitas fantasias (sendo no mais famoso no momento, o Universo Cinematográfico da Marvel). Escrever uma história, com muitas ramificações, tentando colocar ao máximo de tudo o que pode ser o conceito de um multiverso, em uma aventura completamente sem limites, onde tudo e qualquer coisa pode ser possível, faz pensar que as mentes desses cineastas transcenderam ao criar este longa, tal qual sua protagonista, Evelyn. E, escrever uma história completamente maluca se passando apenas dentro de um prédio também mostra que no fim, não falta dinheiro (esse que teve um modesto orçamento de US$25M de dólares) e nem criatividade, mas sim, oportunidades – sem amarras – para que o cinema e àqueles que amam e saibam fazer cinema, mostrem a sua arte.

‘Tudo em Todo o Lugar…’ ao trincar as realidades em tela, além de ser criativo visualmente, traz para a história de Evelyn as reflexões da vida, filosofia, conceitos sociais e morais, trabalhando muito com o “e se”. “E se a minha vida fosse diferente se eu tivesse tomado aquela decisão? Onde eu estaria? Seria bem sucedida?” A nossa Evelyn traz um fato curioso: ela não é boa em nada. Em outras palavras, é fracassada. Waymond do autodenominado ‘alfaverso’ é o encarregado de dizer isso a ela e orientá-la. Isso surpreendentemente torna Evelyn uma força no multiverso, pois ao não ter nenhuma especialidade, logo, ela pode ser tudo o que quiser. Contraditório? Talvez. O longa quer nos dizer que não somos um amontoado de “vários nadas”, mas que podemos ser o que quisermos ser, não importa a idade, já que Evelyn está indo para os seus 50 anos. Não há barreiras de tempo e idade que possam nos impedir. O multiverso de Evelyn é apenas a representação da sua vida, mas também conversa conosco, se assemelhando diretamente com a nossa, nos dizendo que somos pequenos diante o grande e incomum. E os conflitos de Evelyn com Joy também são explorados da forma mais surpreendente, concentrando neste arco todas as falhas da protagonista sendo expostas, que afetam diretamente a filha. Criando assim, embates para que possam recuperar o amor maternal e encontrar a felicidade em meio às diferenças.

Há uma sequência em específico que merece toda a atenção. A das pedras – digo completamente fora de contexto. Sem entrar muito em detalhes, me peguei pensando no diálogo entre duas pedras que há em tela. É o único momento em que o caos e a loucura do longa cede espaço para a filosofia, não que o longa não demonstre ao longo de seus 139 minutos com símbolos e imagens. Mas há um diferencial aqui, é um diálogo silencioso sobre a criação do universo, sentido da vida, nossas origens, o existencialismo… e de uma profunda reflexão e impressionante, pois neste ponto da narrativa não esperamos essa “calmaria expositiva”. É mais curioso ainda se formos pensar na possível genialidade dessa sequência. Um filme em que há o uso de legendas para uma cena importante, em tese, obriga diretamente o norte-americano a ler – o que dizem que por lá, não gostam muito de legendas. O silêncio confortável e reflexivo, a legenda em tela e o diálogo carregado de piadas e risadas, nos causam mistos de sentimentos. Na verdade, todo o filme nos causa mistos de sentimentos. É até um pouco difícil falar de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, porque há tanta coisa aqui, tanto a ser dito e debatido.

Michelle Yeoh é a âncora do filme, o longa traça paralelos até com sua vida real, o que faz com que se torne algo mais pessoal para a atriz, porque ela é uma atriz bem-sucedida em filmes de ação e artes marciais, e o longa faz referência a ela mesma. Todos os coadjuvantes são importantes para a narrativa. A direção é brilhante, e com certeza, a montagem desse filme é de arrancar elogios, porque, mais uma vez, em uma louca viagem pelo multiverso, montá-lo para que o torne coerente, provavelmente tenha sido um grande desafio. A direção de arte é cuidadosa e criativa. Tudo aqui é criativo.

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é sem limites de maneira proposital. Sua narrativa é completamente contraditória, cheia de bizarrices, diálogos piegas, piadas hilárias, situações excêntricas, que são gostosas de apreciar, que nos causa diretamente uma explosão mental com tudo que está acontecendo em tela. Mas o multiverso aqui parece ser bem mais atrativo, divertido, repleto de genialidade e originalidade. Os Daniels fizeram do cinema contemporâneo seu parque de diversões, mas mostram também que a sétima arte é um infinito de possibilidades e rico. E que a arte de todas as suas formas é tão presente e viva em nossas vidas quanto pensamos.

A mensagem que fica é que está tudo bem em sermos um caos, mesmo achando que não somos bons em nada. Porque no fim, só saberemos o nosso potencial completo quando reconhecermos nossas falhas, e entendermos que a nossa existência é pequena diante à imensidão repleta de oportunidades, que pode ser extraordinária, mas que só irá aparecer para nós quando estivermos dispostos a enfrentarmos, seja lá o que aparecer em nossa frente. Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo tem tudo para se tornar um clássico contemporâneo, e é por causa de filmes como esse que saber e falar sobre cinema, para mim, é convidativo e apaixonante.

⭐⭐⭐⭐⭐

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Raquel Oliveira

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